domingo, 4 de janeiro de 2015

Relato de parto - Cristina Bertoni


Para começar este relato, preciso me remeter ao meu primeiro parto, em fevereiro de 2009. Tive um parto normal hospitalar, sem doula. Preparei-me fazendo yoga para gestantes no querido grupo Luz Materna, onde fiz amigas que convivem até hoje. Tinha certeza de estar bem acompanhada pelo meu médico, que não cairia numa “desnecesárea”, que não sofreria episio e que conseguiria lidar com as dores sem analgesia por conta própria. Henrique nasceu com 3,1 kg e 51 cm as 10:56h de uma manhã onde fez 41º.C em Porto Alegre, num dia 3 de fevereiro.
Percebi que estava em TP às 4h da madrugada, às 5h as contrações já estavam de 5 em 5 minutos e às 6h resolvemos ir para o hospital, aonde cheguei com quase 7 cm de dilatação. Na triagem sofri a primeira violência obstétrica: a plantonista foi fazer o exame de toque e eu estava no meio de uma contração. Ela não esperou passar e ainda me disse, friamente: vai doer e vai sangrar. Eu estava sozinha na sala e quando o pai do Henrique chegou eu estava chorando e sangrando. Uma enfermeira querida me levou pro chuveiro e ali as coisas ficaram mais suportáveis, mas quando meu médico chegou às 7h, eu pedi analgesia e entre risos dele, me perguntando onde estava a pessoa que discursou o tempo todo que teria o filho sem analgesia, ele prontamente ligou pro anestesista. Eu estava deitada, presa num MAP. Claro que adorei a analgesia, mas queria dormir e todos da sala falavam assuntos que não me interessavam. Lá pelas 9:30h as dores voltaram, colocaram ocitocina, a bolsa estourou naturalmente às 10h e 56 minutos depois nasceu o Henrique, sem episio, com uma leve laceração que me rendeu dois pontinhos. Como guiavam meus puxos, eu cansei bastante e precisei de oxigênio naquelas cânulas. Mas, na época, achei meu parto tudo de bom. Henrique não quis mamar, passou por todas as intervenções possíveis e saí do hospital com um bebê que mal sugava, com uma pediatra péssima que não viu a pega errada e com 20 dias começamos a complementar.
Isto minou minha autoestima, comecei a repensar tudo e fiquei com uma sensação de “se um dia tiver outro filho, eu vou parir naturalmente, eu vou ter doula, eu vou amamentar”.

Quatro anos e meio depois, me vejo num novo relacionamento e grávida. Descobri bastante cedo, com 5 semanas e com 12 semanas já descobrimos que seria uma guriazinha. Sempre lembrarei com carinho da noite que eu e o Fábio ficamos fazendo lista de nomes de menina, uns dias antes da eco... Como eu tinha CER-TE-ZA de que seria outro guri, o deixei dar a palavra final caso fosse menina (ele sonhou que era uma menina de laço cor de rosa) e assim veio a Júlia.
Comecei yoga com 18 semanas, com a Jana, com quem me identifiquei de imediato. Neste momento decidi que ela seria minha doula. A yoga foi essencial pra me conectar com a gravidez, já que tinha muitas outras coisas na cabeça e pouco tempo para me dedicar à Jujuba.
Vinha fazendo o pré-natal com minha gineco, quem eu adoro como pessoa, mas sentia que seria um parto com intervenções novamente. Até o Fábio sentiu isso e após uma consulta ele me perguntou se eu não sentia que, ou teria uma episio, ou cairia numa cesárea.
Minha ficha caiu e partimos pra ideia do parto domiciliar. Consultei dois médicos que atendem aqui em POA, mas eu não me senti preparada pra receber nossa pequena em casa. A gravidez foi passando e com 34 semanas encontrei quem eu precisava pra parir naturalmente: Dra. Karla Simon! Assim, nossa equipe estava montada: Fábio, que viu o documentário “O Renascimento do Parto” e se emocionou mais que eu, que lia os relatos de parto comigo, que chorava em cada vídeo de parto natural, minha doula Jana e a obstetra parteira.
Como Henrique nasceu de 38+4 e eu tinha muitas contrações de Braxton-Hicks, botei na minha cabeça que a Jujuba nasceria de menos de 40 semanas, afinal geralmente o 2º. vem antes do primeiro, dizem!. Tinha muitas contrações de treinamento, tinha dilatação desde 35 semanas e com 38 semanas tudo parou! Pararam as contrações, a dilatação e o colo estacionou em 3 cm e centralizado, médio. Minha cunhada veio pra ficar comigo e Henrique na reta final, chegou com 38 semanas e partiu quando eu estava com 39 +5 e nada da sobrinha nascer!
Eu, por ter uma lesão no quadril e ter uma inflamação na sínfise púbica sentia muitas dores, mal dormia, estava inchada, cansada. Não pensei que chegaria à última consulta
marcada, com 40 semanas e 1 dia, logo após o carnaval. Eu caminhava, acocorava, sentava na bola, mas pela lesão tudo era muito doloroso. O tampão saía em doses homeopáticas...
Nesta consulta (40 sem e 1 dia) o Fábio não pode me acompanhar e sozinha com a Dra. Karla pensamos no plano B, induzir com 41 semanas e 1 dia, quando eu me internaria e, caso seguisse com a mesma dilatação, romperíamos bolsa pela manhã e entraríamos com ocitocina somente no fim do dia. Confesso que fiquei muito mal pensando nisso, tendo que fazer uma cardiotoco com 40 semanas e 4 dias...
No toque a Dra. Karla sugeriu então descolar as membranas e eu não pensei muito e disse sim. Saí do consultório sentindo como se estivesse trapaceando e chorei. Fábio me acalmou, depois liguei pra Jana, que reiterou que se fosse a hora da Jujuba nascer, funcionaria, se não fosse nada aconteceria.
Chegamos em casa e fomos caminhar. Sentia cólicas que iam e vinham de 15 em 15 minutos, eram umas 18h. As 20h mandei mensagem pra Jana dizendo que as cólicas estavam ritmadas, mas indolores. As 21h fui colocar o Henrique para dormir e me emocionei quando ele me ajudou a levantar quando eu estava bem no meio de uma “cólica”. Senti que a hora estava chegando e aproveitei para explicar novamente pra ele como as coisas iam funcionar, caso fosse de madrugada que eu entrasse em TP mesmo.
Eu e Fábio então fomos curtir, estávamos bobeando com um aplicativo no celular, às 22h resolvi entrar num banho bem quente e monitorar as cólicas, que vinham de 3 em 3 minutos. No meio do banho elas começaram a doer e irradiar pra trás e às 22:30h, falando com a Jana, me dei conta que eram as contrações. Foi engraçado o Fábio me tirar do banho porque ele estava com medo de acabar a água e ele queria se arrumar! Combinei com a Jana de ligar pra ela as 23h e seguir marcando as contrações.
As contrações seguiam de 3 em 3 minutos, com duração de 40 segundos. Às 23:30h avisamos a Dra. Karla e decidimos ir para o hospital e encontrar a doula lá, pois não daria tempo dela vir pra Eldorado. Segui contando o intervalo, que variava entre 2 e 3 minutos e a meia noite decidi acordar meu filhote. Henrique ficou todo empolgado e toda hora dizia: Fábio, parece que é hoje que a Júlia vai nascer. Saímos de casa 00:15 h de sexta-feira, dia 7 de março. Deixamos o Henrique na minha madrinha, em Porto, e rumamos para o Divina, chegando lá 00:50h. Essa meia hora sentada, com contrações, foram terríveis! Chegando lá,
apertamos no interfone da maternidade e é sempre engraçado pensar no que dizer... Abriram-se as portas e eu simplesmente me acocorei no meio do caminho, por causa de uma contração. Apenas eu passei pra triagem e nada de vir a enfermeira obstétrica. Eu olhava os minutos passarem, cheia de dor, marido e doula esperando e uma auxiliar me mandando deitar e dizendo que “dói muito, né mãezinha?”. Quando ela mandou deitar de novo eu disse que só deitaria quando a enf. obstétrica chegasse, por sorte logo ela entrou, esperou passar a contração e fez o toque: 4 para 5 cm. Confesso que fiquei meio desanimadinha, a médica mandou internar e disse que logo chegaria. Assim, as portas se abriram, Fábio desceu pra internação e Jana e eu fomos pra maior sala de PPP, que sorte! Já fui tirando toda a roupa, porque precisava do chuveiro. Tentei sentar na bola, mas a única posição menos dolorosa era de joelhos apoiada na bola.
Lá pelas 2h (lembrando que internei 1:20h) a Dra. Karla me pede pra sair do chuveiro pra auscultar a Júlia. Quando tô saindo do banheiro, um rapaz entra na sala: era o marido da outra paciente da Dra. Karla que estava em TP na sala ao lado, ele errou de lugar! O relato dela está em http://www.maedeguri.com.br/2014/04/relato-de-parto-caetano.html.
Bom, ausculta feita, Júlia muito bem, vamos fazer um toque (no plano de parto pedi o mínimo de toques possíveis, tive que fazer um pra ver se internava e este era o segundo): 8 cm! Dilatei 4 cm em menos de 1h! Voltei pro chuveiro, mas a dor estava muito forte. O quadril estava me matando e era uma dor ruim, não a dor “boa” das contrações. Tentava me manter otimista pensando que cada contração era menos uma, mas estava muito doído e chorei muito. Pedi água gelada, ganhei e tomei de uma vez só, o que me nauseou e bem na hora de uma contração fui me abraçar no Fábio e, nauseada, reclamei que ele estava cheiroso demais!
Sim, eu estava chorando. Sim, nessa hora começou a bater o pavor de não vou conseguir, quero anestesia geral, quero cesárea, quero ir embora, não quero mais brincar.
A médica pediu que eu decidisse onde a Júlia nasceria, eu queria voltar pro chuveiro, o espaço é bem apertado, ela disse que se precisasse se molharia, mas quis sair pra ter todos ao meu redor. Saí do amado chuveiro e comecei uma pequena peregrinação de posições: sentada na escadinha fazendo vezes de banqueta de cócoras: não gostei. Subi na cama e desci pro chão, aliás, mal deu tempo de forrarem o chão e eu me joguei, até arranhei a coxa numa ponta da cama.
Decidi então voltar pra cama, ajoelhada. Logo que subi, uma sensação maravilhosa, uma das coisas que eu mais ansiava sentir, a bolsa estourar e o líquido quentinho escorrer. Pela “gosma” que tinha, acho que o tampão veio junto. As dores no quadril eram demais, eu seguia chorando de dor, pedi uma bolsa de água quente, a Dra. Karla veio com uma luva de procedimentos cheia de água quentinha e o Fábio colocou no pé da barriga, e a Jana massageava a lombar. Como no plano de parto eu disse que sabia que pediria anestesia e que não queria, os três me enrolaram bonito! Nessa hora, tive o último toque e já estava com 9,5 cm!
Dei uma travada com medo de fazer número 2, foi difícil me livrar desta vergonha, porque eu não conseguia sair da posição de quatro e assim todo mundo veria o “espetáculo”. Mas depois de todos me dizerem pra deixar a vergonha de lado, consegui me soltar. Comecei a sentir os puxos, a tal vontade de fazer força. Ainda me travei um pouco, a Jana e o Fábio insistindo pra eu fazer força embaixo e soltar os ombros. O que ajudou muuuito não foi ouvir a sugestão deles, mas sim sincronizar minha respiração com a da Jana e aí as coisas começaram a fluir.
Logo em seguida senti a sensação que eu mais ansiava sentir: a cabeça dela no canal vaginal, era como se tivesse uma bola pesada no meio das pernas. Entrei no expulsivo de quatro, e assim fiquei. Fiz umas forcinhas e saiu a cabeça, e as contrações pararam e eu não quis fazer mais força com medo de me rasgar. A médica ficou um pouquinho apreensiva, pediu pra eu fazer força e o Fábio cochichou no meu ouvido que era a última força que eu precisava fazer e lembro-me desse instante tão intensamente, com tanto carinho, que fiz mais uma força compriiiida e a Júlia nasceu!
Uma das coisas que me marcaram foi olhar pra trás e ver a Dra. Karla encostada na parede, fazendo nada, apenas esperando meu momento de empurrar. Também teve um momento, quando a pediatra humanizada avisou que não iria e que seria com a plantonista e eu disse que já que a Júlia ia sofrer um monte de intervenções desnecessárias, que eu também queria, e voltei a pedir anestesia, ainda bem que passou. Por fim, a pediatra era uma amiga de infância minha e que, apesar de já ter me dito que era protocolar, quebrou seus próprios paradigmas e deixou a Júlia um tempão conosco, o cordão só foi cortado após parar de pulsar, ela quase mamou ali, não foi pingado o colírio, mas teve que ir pro berçário. Júlia nasceu com
3.555g e 49 cm, sem NENHUMA LACERAÇÃO!
Se doeu? Muito, mas principalmente pelas dores no quadril, que parecia que iam me quebrar. Se me senti realizada? Demais, foi como eu queria, sem intervenções desnecessárias, na penumbra, apenas com as pessoas queridas e escolhidas assistindo.
A placenta nasceu uns 40 minutos depois, não foi tracionada e enquanto isso eu comia uns damascos. Fui pra recuperação, ganhei um chá e um sanduíche de queijo e margarina delicioso (nada como a fome pós-parto) e comecei a ficar braba pela demora da Júlia vir. Esta foi a única parte ruim, minha pitoca ficou 1h chorando esfomeada no berçário, com a desculpa de ser aquecida, nada que um colo e uma mamada não aquecessem mais rápido, mas infelizmente é um “preço” que se paga em parir no hospital.
Eu só tenho a agradecer ao Fábio, que me apoiou na ideia do parto natural, que ouviu quando eu disse que ia fraquejar e ia pedir analgesia e que não era pra ceder, e me enrolou bonito, pelo amor e dedicação que tem com a nossa filha. À minha doula Jana, quando nos encantamos mutuamente na primeira aula e criamos uma cumplicidade única. Jamais vou esquecer quando respiramos juntas. À Dra. Karla, por ser mais do que uma médica, por ser também uma amiga, pelo beijo que me deu durante o TP quando eu quis fraquejar, por observar mais do que atuar, por ter aparado meu períneo, que saiu íntegro e pela médica humana que ela é. Por fim, a minha filha Júlia, que veio sem ser planejada mas muito desejada dentro da minha alma e do pai dela, por escolher quando nascer, por me fazer exercer a paciência de esperar e não poder controlar a situação, por fazer sua passagem de forma rápida e sem problemas pra nenhuma de nós: te amamos, jujuba docinho!


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