sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

História de um empoderamento - Carolina Dittmar

Campo Grande, 14 de janeiro de 2015 (29 semanas de Betina)

Quero dividir com vocês como aconteceu a minha decisão pelo parto humanizado. Não é um relato de parto. É a minha experiência pré parto. Muito antes de querer ficar grávida sempre gostei muito de estudar assuntos ligados a bebês, maternidade, educação, psicologia materna e infantil e alimentação de mães e bebês. Descobri na faculdade de fisioterapia que o parto normal era um processo fisiológico e portanto melhor pro binômio mãe-bebê. Descobri muitas coisas sobre desenvolvimento motor de bebês e sobre alimentação saudável. Depois fui fazer faculdade de educação física e percebi a importância do exercício físico pra mulher, pra grávida e depois pra criança e pro seu desenvolvimento motor. Achava que já sabia de tudo e que quando tomasse a decisão de ter um bebê estaria pronta. Tinha medo do parto normal mas mesmo assim queria um. Tinha medo das dores mas a idéia de fazer uma cesárea não entrava na minha cabeça. Achava estranho que muitas mulheres no Brasil não estavam conseguindo ter partos normais. O que tinha acontecido com os nossos corpos? Conversava com a minha mãe sobre isso e ela dizia que na primeira gestação (gemelar) o médico convenceu-a dizendo que partos normais de gêmeos eram muito difíceis e que ela poderia morrer, que a bacia dela era muito estreita e ela não ia ter dilatação. Sempre quando ouvia ela dizer isso pensava na história bíblica de Esaú e Jacó e que naquele tempo não tinha cesárea! Como assim a mãe deles não morreu? Tinha alguma coisa estranha que não me convencia. Na segunda gravidez da minha mãe o médico disse que nem arriscaria o parto normal por contada cesárea anterior. Que o últero dela podia se rasgar e (mais uma vez) ela poderia morrer. Ficava assustada com essas histórias. Pensava, tomara que eu não tenha gêmeos porque senão vou ter que fazer uma cesárea. E isso me assustava mais do que a gravidez gemelar e ter que cuidar de dois bebês depois. Também pensava, bom, quando eu engravidar é só contar pro médico que eu quero um parto normal e ele vai "obedecer" a minha vontade. Sou saudável, pratico atividades físicas, alimentação regrada, não fumo, não bebo, não tenho pressão alta, não estou acima do peso... Não deve ter candidata melhor que eu pro parto normal. Só tenho o quadril estreito mas acho que eu dou conta. Será que eu dou conta? Ah, na hora eu vejo isso. Se o médico disser que eu não consigo eu faço a cesárea, vai! Ficava ouvindo historias de mães e suas cesáreas maravilhosas sem dor mas a recuperação era demorada... Os bebês delas pareciam não saber mamar... Achava aquilo tudo estranho mas se tinha que fazer era pra ser feito né. Continuei estudando sobre educação de crianças e sobre alimentação de bebês. Descobri muitas coisas legais como a amamentação em livre demandada, exclusiva até os 6 meses e continuada até os 2 anos. Aprendi que não existe leite fraco. Conheci o BLW (baby lead weaning) pra introdução alimentar depois dos 6 meses. Aprendi sobre o papel e a importância da ocitocina na amamentação e como ela é grandemente produzida durante o trabalho de parto. Só aumentava minha vontade de ter um parto normal mesmo com aquele medinho da dor. Eu achava que se não agüentasse eu ainda tinha a opção da anestesia. Então, perfeito! O tempo passou, casei com o Igor, fomos morar em Campinas SP e trabalhava muito como personal trainer e dava muitas aulas de ginástica. Uma loucura mas eu estava muito feliz daquele jeito, naquela correria toda e só pensava que não ia engravidar tão cedo. Queria muito trabalhar por muito tempo mas pensava: antes dos 30 quero engravidar. (Isso só funcionava na minha cabeça porque na verdade eu já tava perto dos 30 mas não queria dar o braço a torcer). Continuei estudando sobre bebês mas nunca sobre partos. Falava pro Igor e ele começou a me pressionar pra termos um filho. Eu não achava que estava preparada nem financeiramente (mesmo que na época nós dois ganhássemos bem), nem psicologicamente (apesar de estudar tanto sobre bebês - eu achava que era tanto). Nessa época tivemos que tomar uma decisão de sair de Campinas. Nos mudamos pra Campo Grande MS. Nossos planos eram de abrir um negócio próprio aqui e trabalhar juntos. Quem sabe depois que já tivesse tudo engrenado eu tentaria ficar grávida. Minha mãe engravidou com dificuldade na primeira vez por ter síndrome dos ovários policísticos. Eu também tinha o mesmo problema então achava que comigo seria igual. Tinha parado de tomar pílulas há alguns meses porque estava sofrendo com a diminuição de testosterona no meu corpo. Chegamos em Campo Grande e eu já estava com cólicas menstruais há 3 dias e nada. Minha menstruação estava alguns dias atrasada então comecei a pensar que estava grávida. Não podia ser! Eu tinha planos, tinha até conseguido um emprego aqui até definirmos o plano de ação do nosso negócio. Como eu iria trabalhar? Ninguém ia querer me contratar! Resolvi esperar mais uma semana até o meu ciclo menstrual fechar então eu faria o teste de farmácia. Mas aquela cólica continuava. Não é possível. Eu ia menstruar. Com tudo isso acontecendo eu estava tão estressada. Mas associei tudo à TPM, a mudança, a falta de casa nova (estávamos morando na casa dos meus pais provisoriamente)... E não tinha enjôos. Acabou o mês, o ciclo fechou e eu não menstruei. Contei pro Igor, compramos o teste na farmácia e no outro dia de manhã... POSITIVO! E agora? Não vão me contratar. Sempre achei que ia trabalhar durante toda a gravidez! Sonhava com isso. Estava 30% feliz mas 70% decepcionada comigo por não ter planejado isso direito. Eu estava até sem plano de saúde. Fui tentar iniciar o pré natal no SUS mas fiquei muito chateada com o tratamento que recebi. Ia continuar mesmo assim mas recebemos a indicação de uma médica que faria meu pré natal por um preço acessível (100 reais a consulta particular pela tabela social da médica. ?) Aceitamos pensando, "Vai ser só uma vez por mês. A gente vai juntando dinheiro pro parto."Primeira consulta, 2 horas esperando no consultório, 15 minutos de consulta. Minha mãe e o Igor estavam comigo.  Ultrassom transvaginal e a confirmação: 6 semanas de gravidez. Pesa, afere pressão, preenche a caderneta, pede exames. -Perguntas? -Ah sim. Sinto algumas cólicas como se fosse menstruar. -Você está grávida. Tem que se comportar como uma. Você está com cólicas e está usando calça jeans? Aperta bem em cima do seu últero! Use roupas de grávida que vai passar. -Ok. Outra coisa. Sou professora de ginástica. Posso traba... -Só no início do segundo trimestre.  -Hum... Tá bom. Tenho sentido um pouco de fraqueza e tontura també...- Você tem que comer de 3 em 3 horas. Aí o Igor solta:-Ela é vegetariana também. -Então é por isso! Você deve estar comendo "muito saudável". Tem que comer carne pro seu bebê. Juro que ela disse assim! Fiquei decepcionada. Depois? Tchau! Até hoje não tenho certeza se sem olhar a caderneta ela sabe meu nome.Fiquei meio chateada mas pela situação toda pensei, vou continuar. Fui me acostumando com a idéia de estar grávida. Orei bastante, me senti confortada. Decidi que ia trabalhar apenas com consultoria de fitness à distância. Segunda consulta. -Tudo bem?-Tudo. - pensei, vou responder apenas o que ela perguntar. Estava indo bem, sem enjôos, apenas com umas enxaquecas de vez em quando se ficasse muito tempo sem comer. Mas não quis falar isso pra ela. Guardei. (?)- Muito bom. Pode deitar na maca. Ultra transvaginal, fala um pouco do bebê, pesa, afere pressão, anota. Pode sentar. O Igor estava comigo e resolveu perguntar pelo (preço do) parto. Ela passou uma tabelinha de preços de cesárea. Mais barato do que a gente esperava então ficamos felizes. Resolvi falar: -E se for um parto normal? Ela tirou o preço do anestesista e do auxiliar. Sempre ouvi dizer que os médicos cobram mais caro pelo parto normal então assustei. Continuei falando:-Dra. tem como saber se vai dar pra fazer um parto normal?-Não. Só quando chegar mais perto do parto. -Tem alguma coisa que eu possa fazer pra garantir que eu tenha um parto normal?-Se mantenha ativa e saudável. SE ESTIVER TUDO BEM fazemos seu parto normal. Na minha cabeça eu achava que se estiver tudo mal a gente faz a cesárea. E não o contrário. Não estava satisfeita mas acreditei nela. Depois disso minha irmã me falou sobre um documentário que ela assistiu sobre parto normal. Confesso que não dei muita atenção porque pensava que já sabia tudo sobre o assunto. Era só querer o parto normal que ele ia acontecer. Sabia que eu não queria episiotomia (já tinha estudado sobre isso no curso de fisioterapia) mas achava que era só falar isso pra médica que eu seria atendida. Mais um mês passou, terceira consulta. Mais espera, outros 10 minutos de consulta. Confesso que fui só pelo ultrassom. Era muito gostoso ver como o bebê tinha crescido e ouvir o coraçãozinho dele. Eu achava que era menina mas era muito cedo pra dizer. O Igor resolveu perguntar e ela decidiu olhar. Me assustei. Ela disse que parecia ser um menino. Não era pra eu comprar nada ainda mas o palpite dela é que era menino. Fui colocando isso na cabeça. Saímos felizes, ligamos pra todo mundo, começamos a pensar nos nomes, decidimos que seria Léo se fosse menino e Laura se fosse menina. Algumas semanas se passaram e eu lembrei do documentário que a minha irmã falou. Pensei em assistir. Falei com ela e ela me mostrou "O Renascimento do Parto". Fiquei chocada! Comecei a ver a minha médica ali no meio daquelas histórias de mães enganadas por médicos. As mesmas atitudes, as mesmas histórias. Garantindo o parto normal pra mãe até a hora do parto e depois inventando desculpas infalíveis como o cordão enrolado no pescoço, a bacia estreita, a falta de dilatação, a cesárea anterior, a gravidez gemelar, outras desculpas, desculpas... Mas a mulher confiou tanto no médico até ali! Não vai contrariar porque é pro bem dela e do bebê! No documentário conheci a violência obstétrica. Mesmo quando se consegue um parto normal. Manobra de Kristeller, posição de litotomia, sorinho de ocitocina sintética, mãe amarrada, clampeamento precoce de cordão, separação da mãe, sem amamentação precoce, com banho precoce (tchau, tchau vérnix) , com berçário...Daí entendi porque tantas mulheres optavam pela cesárea. Quem não quer um parto sem dor? Tem violência aqui também. Altos índices de prematuridade, bebê com pulmão despreparado, UTI neonatal, procedimento cirúrgico altamente invasivo, clampleamento prematuro de cordão, colírio de nitrato de prata, mãe amarrada, separação do bebê da mãe, pesa, mede, estica, esfrega, banho precoce, recuperação demorada, amamentação prejudicada...Mas nesse documentário descobri que as mulheres ainda conseguem parir! Descobri que não existe apenas duas opções. Não era só cesárea ou parto normal Frankenstein.  Existe uma terceira. Um parto protagonizado pela mulher, um parto cheio de amor. Descobri o coquetel do amor. Os hormônios do amor. Descobri que ainda existem equipes que atendem quando uma mulher diz que não quer episiotomia. Uma equipe que entende que a chegada do bebê precisa ser suave, sem violência e sem procedimentos desnecessários. Descobri as DOULAS S2. Descobri que a mulher não precisa ficar deitada sabendo que essa não é a melhor posição. Que ela pode se movimentar, pode comer, pode ter métodos não farmacológicos pra alívio de dor mas mesmo assim se ela quiser ela vai receber anestesia. Descobri os partos pélvicos. Descobri o parto na água, o parto domiciliar, o parto hospitalar decente. Chorei muito! Assisti com meus pais, com meu marido, assisti sozinha de novo e de novo... Compartilhei no facebook e daí não parei. Conheci várias páginas com conteúdo científico atualizado. Conheci a medicina baseada em evidências (MBE). Aí sim fui estudar. Engoli os artigos, as publicações. Recebi muitas críticas de pessoas que não tinham a mesma informação que eu tinha recebido. Não as culpo. Só queria avisar que existe mais do que todos nós conhecemos! Algumas pessoas achavam que eu estava contra elas. Também entendo elas. Mas não era isso. Não desisti. Conheci a Dra. Melania Amorim, a Ana Cristina Duarte, perfis no instagram e no facebook como o Partejar Com Amor e outras mulheres maravilhosas que me incentivaram demais mesmo sem saber. Conheci a pagina do Dr. Ricardo Jones. Quantas descobertas!Mas e a minha médica? O que fazer? Vai ficar em banho maria. Descobrimos que o Leo não era mais o Leo. Era uma menina. Desistimos de Laura e decidimos que ela ia se chamar Betina. Nossa menininha. Só queria fazer o melhor por ela. Meu coração chegava a doer só de pensar que isso podia ser tirado de mim pela médica. Recebemos uma oportunidade de sair do Brasil. Abraçamos. A Betina não vai mais ser mais brasileirinha. Era tanta coisa na cabeça que eu tentei focar na parte boa. Fora do Brasil minhas chances de ter um parto decente se multiplicariam. Então continuamos com a médica fofa faço-parto-normal-se-tiver-tudo-bem. Semana que vem mesmo tenho outra consulta com ela. Ela ainda não sabe mas vai ser a última. Só pra pegar a autorização pra viagem rs.  Dia 29 estamos indo. Vamos sem enxoval, sem quartinho, sem nada. Mas vamos com duas certezas. Deus está nos guiando e a Betina vai ter apenas o que for melhor pra ela. Estamos saudáveis, ela cresceu bastante mas apesar disso minha barriga é pequena (até nisso Deus nos ajudou), estou cheia de conhecimento, empoderada. Já conheci pela internet uma casa de parto na cidade onde vamos morar. Não vejo a hora de chegar lá pra conhecer ao vivo e tirar todas as minhas dúvidas. Mulheres, não se contentem com as informações que os médicos te dão. Existe sim um mercado de cesarianas no país. Isso é um assunto que interessa a todos. Uma hora a maioria das mulheres vai ficar grávida. Assistam ao documentário "O Renascimento do Parto". Conheçam pessoas que defendam o assunto da humanização do parto. Conversem comigo também. Posso ajudar um pouco. Enxoval não é importante. Sua mãe te criou com menos que isso. Quartinho lindo não é importante se o seu bebê correr o risco de passar as primeiras noites de sua vida na UTI. Muitas de nós achamos que isso é o melhor que podemos fazer por eles. Não! Não é. Bebês precisam de papais e mamães que lhes dediquem a Deus e lhes amem, leite materno, fraldas limpas e segurança. O resto é supérfluo. Invistam seu dinheiro em literatura de qualidade e em saúde (alimentação, exercícios e um parto saudável). Isso sim é o melhor que nós podemos fazer por eles. Bom estudo e vamos atrás que a luta é grande. 

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