Adianto que talvez seja longo, talvez não tenha linearidade, talvez perca o sentido, mas é que assim como foi vivido, será relatado. Aproveito que as lembranças ainda estão vivas e os hormônios ainda agem, para tentar deixar o mais fiel a realidade.
Não começo pelo dia do parto, começo há mais de um ano atrás, quando
assisti ao documentário ‘O Renascimento do Parto”. Documentário esse que
estapiou minha cara, me fez pensar por semanas, me apresentou grandes
nomes da humanização do nascimento. Depois de assistir o documentário
fiquei calada, por uma semana não falei nada com Daniel (marido) sobre o
que havíamos visto. Afinal era claro que toda a minha convicção e todo
‘meu saber’ sobre partos haviam sido manipulados a vida inteira, por
crendices populares, por práticas profissionais inadequadas, por
achismos.
Eu havia me decidido, se um dia engravidasse, meu filho viria ao mundo
por um parto normal, um parto meu e dele, um parto verdadeiro, sem que
ninguém roubasse isso de nós. Mal sabia eu que esse caminho era sem
volta, a porta havia sido aberta pelo lado de dentro, mergulhei no
universo da humanização.
Na semana do carnaval de 2015 os dois risquinhos no palito e um positivo
bem claro para a nossa alegria, mas aqui outra batalha começava.
Moramos em uma cidade onde o parto humanizado ainda não chegou, é
complicado dizer que não chegou, pois há alguns bons profissionais
médicos (conheci dois) que atuam de maneira respeitosa e séria, grifo os
profissionais médicos, pois não há E.Os, não há doulas (a não ser as
voluntárias do hospital, que eu não tive o prazer de conhecer, pois no
dia do meu parto não havia nenhuma no plantão), enfim a cultura da
humanização ainda está longe das bandas de cá.
Com o positivo na mão fui ao plantão do plano de saúde para que algum
médico fizesse o pedido de todos os exames preconizados de pré natal. Já
para a minha ‘boa sorte’, o profissional que me atendeu devia ter suas
práticas baseadas na sua formação, que com certeza deveria datar 1920,
me olhou e disse, sem que eu tivesse lhe questionado qualquer coisa: Não
é por nada não, mas você JÁ tem 27 anos e um parto normal não é
indicado pra você. Daniel estava com a mão na minha perna, deu uma
apertada, entendi o recado, olhei para aquele senhorzinho que me atendia
e sorri. Fui embora com o pedido dos meus exames, faltando metade é
claro, pois desde a sua formação muita coisa havia mudado, com certeza.
Começamos a procurar, fora o matusalém do plantão passamos em mais três
médicos, até que o quarto me agradou. Não, ele não era um defensor
possessivo da humanização, não ele não era nenhum nome conhecido desse
mundo dos partos, mas eu não sei porque, ele me agradou. Estava com 22
semanas.
Durante as consultas nunca discutimos muito sobre o parto, a não ser que
eu sempre deixei claro minha preferência, meu conhecimento e meus medos
e , assim seguimos, gravidez saudável e tudo dentro do baixo risco.
O final foi se aproximando, uma certa ansiedade batendo, nada
desesperador, vida normal, caminhada, pilates, trabalho, passeios,
inchaço, azia, enjoos, tudo ok, dentro do previsto para uma gravidez.
Quarta-feira 14/10, 39 semanas e 1 dia, tudo normal, a tal da barriga
ainda estava alta, e todos diziam que ainda ia demorar, afinal a barriga
‘abaixa’. Fomos pro pilates, nesse dia Daniel fez aula comigo, pois
estava em casa e viajaria a trabalho no outro dia (isso estava me
deixando preocupada). Pedi pra professora do pilates me passar muitos
agachamentos, pois estava com uma dor muscular bem chata e no dia
anterior havia feito uma longa caminhada de 6 km, precisava recuperar
minhas pernas.. Daniel dava risada dos exercícios, e chegou a brincar
que o Francisco iria sair ali mesmo.
Fomos para casa. Fui fazer xixi e observei traços rosados no papel, mas
sem secreção, o que me preocupou um pouco, pois poderia ser da urina,
então rapidamente peguei o celular e mandei a foto no grupo de amigas
virtuais que se apoiam sem julgamentos, e claro as opiniões se
dividiram, algumas acreditavam ser o tampão, outras que podia ser um
sinal de infecção de urina.. ok.. sem stress, vamos ver como o dia
segue, pois não havia nenhum outro sinal, nada, nadinha e lembrando da
tal barriga ainda alta. Um cochilinho pós almoço, porque o calor estava
bravo e minhas pernas e pés super inchados. Acordei, mais um xixi, agora
com traços mais fortes de sangue, mas também com secreção, isso me
aliviou, de fato era o tampão, mas eu sabia que podia não significar
nada, apenas um sinal de início de preparação.
Fiquei deitada um tempo e levantei para tomar um banho, quando levantei
uaaaaaaaauuuu, era muito tampão saindo, muito mesmo, mas só isso,
nenhuma contração. Tomei banho, bem tranquila, sai do chuveiro, passei
meu arsenal de cremes e fiquei sem fazer nada, estava um calorão. Quinze
minutos pós banho (as 17:10) uma contração, com dor, na barriga apenas,
gritei para o Daniel, que já estava com o app instalado para contar as
contrações, ele deu start, quase 50 segundos, passou... vamos observando
falei pra ele, oito minutos depois, mais uma, um poquinho mais forte,
ok e assim fomos observando, elas vinham em intervalos irregulares entre
6, 7 e 8 minutos, e duravam em torno de 50 segundos, legal, mas isso
poderia ser os pródromos, poderia ser apenas a preparação. Vamos
caminhar. Fomos, 3 km, parando em cada contração, para dar uma respirada
e fazer uma careta, ainda doía apenas a barriga, nada de doer as
costas.. Voltamos para casa, chuveiro e bola, já não sei quanto tempo
isso durou, no whatsapp msg ‘dazamigasindias’, como essa rede de
mulheres se apoiam, impressionante, pessoas que nunca se viram na vida,
estão lá para apoiar e ajudar. As últimas palavras de uma delas foi:
fica calma Núbia, bebês sabem nascer e você sabe parir. Chorei embaixo
do chuveiro, a dor tinha aumentado, nada se comprado ao que estava por
vir, as contrações ainda no mesmo intervalo de tempo, irregulares, mas a
duração já havia passado de um minuto.. Falei pro Daniel que deveríamos
ir pro hospital, ele estava meio relutante, achava cedo demais, por que
esse homem se empoderou tanto, eu queria saber?!
Para ajudar a mamãe a convencer o papai que devíamos ir, Francisco se
aquietou na barriga, isso me preocupou, decidimos ir. Antes do hospital,
uma paradinha para tomar um açaí, porque né, ninguém é de ferro..
Tomamos no carro, não queria que estranhos me vissem fazendo caretas
para dor. Estava bem calma, pensei em ir pro plantão, pois conhecia a
médica que estava la, então tinha certeza que só ficaria no hospital
caso fosse necessário, fomos com a certeza de que voltaríamos para casa,
e que o tp deveria engrenar no dia seguinte, sabe de nada inocente!
No hospital (as 22/23 hrs) na triagem a mocinha me colocou uma pulseira
laranja, acho que isso é tipo urgente, falei pra ela que estava bem, que
não precisava, que só queria ver se Francisco estava bem, que ainda
demoraria.. mas ela não me ouviu, me mandou pro centro obstétrico,
cheguei lá a médica, colega do grupo de corrida do Daniel, foi examinar,
tocou, começou a contar e ouvi até quatro, já me deu um friozinho no
estomago, achei um bom número e imaginei que não iria mais embora, mas
pra minha surpresa ela termina dizendo: quer uma boa notícia? Você já
está com 6 cm, falou mais algumas coisas referentes a condição do colo
do útero e do posicionamento do Francisco, não me lembro, mas pensei 6 é
um bom número. Me troquei e por ali ficamos.
Quinze minutos depois meu médico se materializou ali, com calma me olhou
enquanto uma enfermeira me colocava antibiótico (streptos positivo)e
perguntou se estava tudo bem, respondi que sim apenas.
O tempo passa rápido demais, as enfermeiras meio enroladas com aquele
antibiótico, meio enroladas com procedimentos de liberar chuveiro, de
encontrar bola, o Daniel havia ido buscar as bolsas no carro, o tempo já
tinha uma duração diferente. Antibiótico devidamente aplicado, meu
médico entrou, falou que ia fazer o toque para ver como estava, nada
dolorido, aliás não senti dor em nenhum toque, sempre com muito cuidado e
respeitando as contrações, os exames de toque não me incomodaram em
nada. Toque feito, já estava mais evoluído do que na admissão, acho que 8
cm, nem sei quanto tempo tinha passado, mas foi pouco, pq o Daniel não
havia chegado com as bolsas.. a ordem era, mova-se, chuveiro, caminhada,
bola. Daniel chegou, la vamos nós, chuveiro, água quente alivia
muitooooooooooo, mas tinha a impressão que intensificava a frequência,
mas tudo bem, era isso que queríamos, os intervalos ainda irregulares,
mas estava evoluindo, aquilo doía, não era absurdo, era até suave, vinha
uma dor, se instalava nas costas e corria pra barriga num pico de dor e
ia voltando, é realmente não era um absurdo, eu pensava que já estava
com 8 cm e estava sendo bem tolerado até ali, muito bem, eu achava. Não
sei quanto tempo se passou, mas conversando com o Daniel depois ele me
disse que bastante, mais de três/quatro horas, um novo toque e nada de
evolução, Francisco estava alto, o médico deu mais meia hora para fazer
exercícios na bola, senão romperia a bolsa, como aquilo me machucou, me
senti traída, afinal na minha cabeça nem dez minutos haviam se passado. E
pula na bola e rebola, e caminha, e meia hora passou e ele voltou novo
exame e nada, nenhuma alteração, me lembro dele ter explicado que essa
parada em nada parecia com uma DCP (desproporção céfalo pélvica) e que
romper a bolsa era uma opção para ajuda-lo a descer. Chorando feito
criança, aceitei! Bolsa rompida.
Assim que o médico virou as costas uma enfermeira que estava nos
acompanhando me ofereceu anestesia, dissemos que não, ela disse que se
eu quisesse era bom fazer naquele momento, ja que a anestesista estava
entrando para uma cesaria. Disse que não, que se eu quisesse mais tarde
pediria.. Chuveiro de novo!
Fazer exercício de agachamento, ficar de cócoras, tudo isso ajudaria
Francisco a descer, mas quem disse que eu conseguia, queria ficar
deitada, queria que todos ficassem quietos, mas a enfermeira falava
muito, ela não era uma má pessoa, apenas não era uma boa profissional.
Depois que a bolsa foi rompida eu fui pra outro planeta e de lá não sai
mais, não sei quem falava, não entendia nada do que acontecia, aquilo
era dor, eu estava prestes a ser rasgada no meio, só queria que acabasse
logo, pedia pro Francisco seguir o caminho das águas, pedia pra ele
chegar logo...
Não aguentei, pedi anestesia! Não era o momento, o Daniel e o médico
seguraram, eu queria mata-los, estavam me enrolando, a louca da
enfermeira queria me aplicar ocitocina, andava atrás do médico
perguntando se era pra colocar no soro, ele negava em silêncio. Ele
pediu para eu aguentar mais um pouco, que poderia tomar a analgesia,
assim ela duraria até o final.. Aguentei, que dor, que pressão era
aquela, ah com certeza iria me rasgar no meio! Chegou a hora da
analgesia, eu não tinha mais força, nenhuma força, já havia me
entregado. A analgesia foi feita, mas definitivamente aquilo só funciona
para a dor ‘nervosa’ a dor ‘física’ aquela que parece que vai quebrar,
essa não passa.
Vontade incontrolável de fazer força, mas eu já não tinha força. E os
incentivos começaram, força, força.. Olha o cabelinho dele, Daniel foi
ver e chegou dizendo que estava vendo o cabelinho dele, eu só conseguia
pensar que eles estavam loucos, afinal o trajeto é curto, se estavam
vendo o cabelo ja era pra ele estar saindo, ja podia puxar pra sair
logo, por que aquela dor não era desse mundo... Força, força.. Eu não
consigo, pensava onde eu tinha ido me meter, só queria o Francisco no
meu colo, só pensava em como sair daquela enrascada, por que aquilo
doía... Fomos pra sala de parto...Posição pro parto, a única que eu
conseguia ficar, deitada! Mas deitada dói mais! Não, pra mim aquilo era o
que eu mais conseguia tolerar... Então força, vai, força... Ele estava
muito perto, como assim não dava pra puxar logo? Saiu, voltou!
Concentração, vamos juntos meu filho, juntos, recupera o ar, e o Daniel
comemora saiu a cabeça, eu grito tira logooooo, e o médico se finge de
surdo (ainda bem) e espera a próxima contração, e o Francisco chegou, no
tempo dele! Com uma circular de cordão, sem chorar e roxinho, como
nascem a grande maioria dos bebês que nascem no seu tempo!
Se a principal pergunta é se dói? Eu respondo que sim, mas podemos
perguntar sob outra perspectiva, se vale a pena? Eu respondo, que cada
contração! Eu consegui, subi a montanha e contemplei a paisagem. Depois
de nascido ja no meu colo, me lembro que eu não parava de falar, nem sei
o que falava, ocitocina pura, das boas, da barato, só pode! E assim
chegou Francisco, quase 13 horas após a primeira contração, pesando
3,565 kg e 47,1 cm.
Francisco não passou da hora, o cordão não o ‘enforcou’, a ‘passagem’
não era estreita demais, meu útero não explodiu, eu não fui rasgada, ele
não ficou sem líquido, enfim, todos os mitos que nos afastam da
possibilidade de nos conhecer, de viver essa experiência, não
aconteceram, afinal, são mitos! Nós conseguimos!
Gratidão aos que acreditaram, aos que respeitaram!
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