terça-feira, 4 de agosto de 2015

Relato de Parto - Thays Saçço



Era meia noite e cinquenta da madrugada de cinco de abril de 2015, domingo de páscoa, quando levantei para ir ao banheiro apertada pra fazer xixi. Ao me limpar percebi um muco transparente, tratava-se do tampão, a princípio levei um susto porque não esperava por isso tão cedo, já que estava de 34 semanas (DPP era pra 14/05). Peguei o celular, tirei uma foto e mandei para minha anjo-doula, ela disse que realmente parecia ser o tampão, mas que eu não devia me preocupar, pois muitas vezes o tampão sai e não necessariamente a mulher entra em trabalho de parto e também que o tampão pode até se refazer.
Deitei-me novamente, fiz uma oração pedindo a Deus que fosse feita a vontade Dele, parecia que eu já sabia que algo estava pra acontecer pq senti um frio na barriga. E 20 minutos depois senti um líquido escorrer pelas minhas pernas, dei um salto da cama porque já imaginava que seria a bolsa, dei dois passos em direção ao banheiro e senti a água escorrendo pelas minhas pernas. Acordei meu marido, que pegou um pano pra secar o chão. Novamente mandei uma mensagem para a doula dizendo que minha bolsa havia rompido e pedi que ela me orientasse, ela ligou para a parteira - enfermeira obstétrica - (outro anjo que Deus colocou em minha vida e que assistiria meu parto domiciliar se a gravidez tivesse ido mais a frente). Elas me orientaram a ligar para minha GO, que acompanhou todo meu pré-natal. Fiz isso, liguei para a GO e ela me disse para ir ao hospital mais próximo de casa para fazer uma avaliação. Pediu também que eu já levasse minhas coisas, pois seria provável que eles quisessem me deixar em observação devido à prematuridade do bebê. A Doula foi ao meu encontro em casa para que nós pudéssemos ir para o hospital. Enquanto isso, tomei um banho e coloquei um absorvente porque ainda sentia a água escorrer e fui arrumar as coisas, porque não tinha nada pronto nem mala de maternidade, nem mala da Letícia ou minha, aliás, nem a bolsa eu havia ganhado ainda. Depois de arrumarmos as coisas, a doula chegou por volta das 2:40 e pediu para fazermos uma bênção antes de sairmos de casa. Era a "despedida" não programada do meu barrigão e as boas vindas àquele ser que estava para vir ao mundo.
Chegamos ao hospital por volta das três da manhã, esperei pra ser avaliada pela médica residente, que fez o toque e constatou que eu estava com menos de um centímetro de dilatação, ou seja, colo praticamente fechado, e com isso, conforme já havíamos imaginado, eles pediram que eu ficasse em observação até o amanhecer do domingo pra que fosse realizada uma ultrassonografia e pudessem avaliar a quantidade de líquido amniótico e também confirmar a posição da Letícia, visto que até a última consulta de pré-natal ela ainda estava pélvica. Obs: Após avaliação da residente perguntamos sobre a posição da Letícia e ela afirmou estar cefálica. Porém, não muito satisfeita com aquela avaliação, pedimos para que a enfermeira obstétrica que estava de plantão, realizasse uma nova avaliação. Ela então, muito gentilmente fez uma nova avaliação e ficou na dúvida quanto à posição da Leticia, mesmo após muita palpação e ausculta de BCF. Não me pediram nenhum dos meus exames, levei todos, mas sequer olharam.
Saímos novamente, já que não houve nenhuma orientação para que eu ficasse no quarto, mas logo entramos, pois já havia passado a troca de plantão e queriam me examinar. Já no quarto me aplicaram corticóide e antibiótico devido à prematuridade da bebê e a bolsa rota (por volta das 9h da manhã). Nesse momento a doula pediu para que o Enfermeiro Obstetra que havia chegado no plantão auscultasse a Letícia, visto que já havia algum tempo que ninguém verificava os batimentos dela. Então, ele me colocou deitada na cama, fez ausculta e viu que estava tudo bem. Mas como eu já estava tendo muitas contrações, a doula questionou sobre qual horário seria realizado o USG, afinal de contas estavam aguardando o laudo do mesmo para avaliarem qual conduta teriam comigo. Então ele disse que não devíamos nos preocupar com o USG e que pela palpação dele a bebê estava cefálica. Pediu para que eu ficasse mais quietinha e não saísse de cima da cama ou do quarto porque a bebê é prematura e a movimentação poderia ativar o trabalho de parto. Entretanto, eu não conseguia ficar deitada e a doula disse para que eu fizesse o que o meu corpo estava pedindo, então, tive que ficar em pé para que as contrações ficassem menos doloridas. A obstetra de plantão - que então faria o meu parto - também passou no quarto e pediu que eu ficasse deitada novamente, dizendo que eu não poderia sair da cama. Me deitei novamente, mas as contrações ficaram muito mais doloridas nessa posição e me levantei novamente para aliviar um pouco. Foi quando comecei a sentir as contrações muito, muito, muito, muito fortes e uma atrás da outra! Já não tinha mais posição que ficasse confortável.
Bom, enquanto esperávamos até que providenciassem minha internação (não havia quarto PPP disponível e eu teria que ficar na enfermaria) fomos caminhar pelos arredores do hospital... Ainda não sentia dores. Conversamos, vimos o nascer do sol, dançamos (tem até um vídeo meu e da Camila (minha amiga) dançando zumba e funk [“bailando” e “pararatibum”] no estacionamento da Maternidade... Aí eu já sentia cólicas leves e a doula amarrou uma bolsa de água quente embaixo da minha barriga Hahaha momento mico, maravilhoso!) e então comecei a sentir cólicas um pouco mais fortes uma a cada 10 minutos, depois uma a cada 3 minutos. A dor começou a aumentar por volta das 7:30/8h da manhã, vomitei bastante conforme eu sentia as dores mais fortes. Foi quando me chamaram para preencher a ficha de internação. Entrei para enfermaria, pois pediram que eu colocasse um forro na calcinha para ver a quantidade de líquido que estava sendo expelida.
Quando já no auge da dor comecei a gritar, vocalizando a minha dor. Engraçado que não imaginava que faria isso... E como isso é animal, involuntário, o grito sai de dentro da alma, não há como segurar... Neste momento minha amiga estava do lado de fora, ao lado de uma janela do quarto onde eu estava e me ouvia gritar, segundo ela já eram 10h da manhã. Acho que a doutora estava passando no corredor no momento em que eu vocalizava a dor e ouviu um dos meus gritos. Entrou na enfermaria e percebendo o nível que estavam as coisas, pediu que eu deitasse para ser examinada novamente, ela iria fazer o toque. Quando viu que eu ainda estava de calcinha, foi seca ao dizer: "você ainda está de calcinha?" Em meio às dores, contei com a ajuda da doula e de uma enfermeira muito gentil para tirar a calcinha, pq levantar o quadril deitada com contrações fortíssimas é quase impossível. Quando tirei, ela percebeu que o forro que eu estava usando estava encharcado de líquido e já apresentava sangue e comentou que eu já deveria estar com alguma dilatação.
Eu fiquei em pé e agachava na hora das contrações, levantava novamente, resolvi me sentar na poltrona, porém a dor não cessava. [A doula observou que eu me levantava da cadeira com as pernas abertas – mas só me contou isso depois – o que significava que Letícia já estava descendo e não sabíamos... Como estava pélvica, não senti a pressão que sentiria da cabeça se ela estivesse cefálica]. Engraçado que a dor era tanta que eu já achava que não aguentaria e cheguei a dizer: “agora eu sei porque as mulheres pedem analgesia” rsrsrs.... Mas eu NÃO pedi! Aêêêê!!! O problema é que eu achava que o TP estava apenas começando e por isso achei que eu não suportaria aquilo por sabe-se lá quantas horas. O fato é que eu já estava quase no expulsivo e não sabia, ou seja, a dor é grande, mas dá pra aguentar... Somos mulheres, somos guerreiras e nosso corpo foi feito pra isso! Foi quando ela fez o toque, ficou um pouco desesperada e disse: “Está nascendo e é pélvico!”. Nesse momento entrei desespero, olhei pra minha anjo-doula e perguntei o que eles iriam fazer, na minha cabeça já estava achando que eles iriam me levar para cesárea e isso me dava calafrios. A doula me respondeu que não sabia o que a médica iria fazer, mas olhou dentro dos meus olhos e falou: “você entendeu o que ela disse? Sua filha esta nascendo... fica calma que vai dar tudo certo”... Então ela perguntou para uma técnica de enfermagem o que iriam fazer e ela disse que seria normal. Em meio às dores, me senti um pouco mais aliviada em ouvir aquilo.
Aquelas palavras me doíam o coração, já não era somente a dor das contrações, mas a dor de estar sendo obrigada a fazer coisas que eu não queria, que sabia que não seriam necessárias. Eu senti as mãos dela entrando em mim, para fazer manobras e puxar (eu acho... Essa era a sensação) e já imaginava “vou sair daqui rasgada, arrebentada de tanto que ela enfia a mão” e sentia que a mão dela estava puxando a minha bebê novamente. A doula insistiu para que eu ficasse na posição gaskin e a médica novamente grosseira respondeu que não, porque se ela precisasse fazer alguma manobra a melhor posição seria aquela na qual eu estava (como pode ser irredutível assim?). Foram diversas tentativas para que eu mudasse a posição, mas lamentavelmente em vão. A médica insistia nas forças compridas e me pressionava dizendo que eu deveria ajudar a minha filha a nascer, que eu não poderia parar de fazer força.
A partir de então foi aquela correria, enfermeiros correndo trazendo cadeira de rodas (afinal eu estava na enfermaria), cheia de dores das contrações, consegui sair da cama e sentar na cadeira, a enfermeira saiu correndo comigo pelos corredores para o centro obstétrico (como havia dito não havia PPP disponível).  

Lá começa parte da minha felicidade e do meu desespero, isso porque a obstetra mandou que eu ficasse em posição de litotomia, eu ainda questionei se realmente era necessária aquela posição, ela insistiu que sim. A doula chegou logo em seguida porque foi colocar a roupa especial para entrar no CPN e também questionou a doutora sobre a posição e pediu se eu poderia ficar na posição de gaskin e novamente a médica recusou, a cada contração ela insistiu que eu fizesse muita força e eu já estava esgotada, muitas vezes parei de fazer força no meio de uma contração e ela muito grosseiramente insistiu dizendo: “Você tem que ajudar sua filha a nascer, eu quero uma força comprida!”.
Eu segurava com a mão esquerda no ferro onde estavam minhas pernas e com a outra mão eu segurava as mãos da doula, que foi fundamental para que eu não desistisse em meio àquele desespero de estar ali a mercê das "ordens" médicas. A todo o tempo, minha anjo-doula falava palavras de conforto para que eu não desanimasse. Minha vontade era arrancar minha perna do apoio e dar um chute no meio da cara da doutora e tampá-la longe a cada vez que ela mandava eu fazer força e não parar mais.
Foi rapidamente atendida pelo neonatologista e pediatra. Devido à sua prematuridade, necessitou de intervenções imediatas como uso de oxigênio na respiração e aspiração. E mais uma vez senti meu coração dilacerado quando vi a enfermeira com colírio de nitrato de prata pra pingar na minha filha (pausa para chorar)... Como é difícil passar por tudo isso sabendo que poderia ter sido diferente, mesmo sendo prematura e pélvica, poderia ter sido mais respeitada, eu e minha filha. A doula estava lá para me consolar nessa dor.
Os pezinhos já haviam saído e, no momento final, o corpinho da Letícia já havia saído totalmente, só faltava a cabeça, foi quando ela pediu ao enfermeiro obstetra pra que "ajudasse", a doutora disse: “Ajuda aí” e ele veio com a mão fechada para pressionar minha barriga, eu gritei pedindo para ele não fazer aquilo e a doutora disse: “é pra te ajudar” (manobra de kristeller pra ajudar? Me poupe!). Meu pedido foi em vão, ele apertou a minha barriga de uma forma tão forte que eu fiquei dolorida durante dias no local onde ele apertou. Que dor, dor na alma por ter passado por procedimentos tão desnecessários. Diante desse contexto de desespero meu e da própria doutora, que ali se mostrava totalmente despreparada e desesperada por ter que fazer um parto pélvico, visto que, quando foram ver, minha bebê já estava nascendo. Enfim, minha bebê nasceu, praticamente arrancada pelas mãos dessa médica (isso se confirma pelos hematomas que deixou nos pés e pernas da minha filha, de tanto que foi puxada. Tadinha da minha bebê, toda roxa pela violência que sofreu). Letícia demorou alguns segundos pra respirar, mas depois ouvimos o seu chorinho e minha felicidade foi completa naquele momento, em saber que apesar de tudo ela estava bem. Letícia nasce às 10:58 da manhã, de parto pélvico, modo podálico, pesando 2,085 e medindo 40cm. A médica veio fazer a tração do cordão pra saída da placenta, enquanto o enfermeiro fazia massagem na minha barriga. A placenta saiu e eu pedi para levar ela para casa, o enfermeiro colocou no saco para que eu pudesse levar. Meu marido foi chamado para entrar na sala, deu um beijo em mim e na nossa filha e teve que sair novamente, mas levou a placenta, a árvore da vida. Veio então a hora da médica saber se havia tido laceração e se precisaria de pontos, fechei meus olhos e já imaginava ela falando que estaria toda rasgada devido a tanta força que eu fiz e porque eu senti ela mexendo dentro de mim, mas pra minha felicidade e surpresa: períneo íntegro! Sem corte e sem laceração... chorei de emoção nesse momento.


Aqui na cidade e na maioria das maternidades ninguém faz parto pélvico, a maior parte dos GO têm medo ou não estão preparados para realizar esse tipo de parto. Então eu posso sim dizer que vencemos nesse sentido. Foram em média 6 horas de trabalho de parto, Letícia estava em posição pélvica e nasceu pelos pezinhos (podálica) sem anestesia, sem ocitocina sintética.
Levaram a Letícia pra incubadora porque ela precisava ser aquecida e continuar com um respirador chamado cpap. Antes de saírem com ela, pedi para dar um cheirinho nela e tiramos uma foto, depois disso fui encaminhada para o quarto e logo fui tomar meu banho. Neste dia, acho que devido à adrenalina e ocitocina eu estava super bem, não sentia nada, andei pra todos os lados, recebi visitas dos meus pais, meus irmãos. Entretanto, no dia seguinte não conseguia quase mexer meu braço esquerdo devido à tamanha força que fiz no dia do parto, meu corpo estava todo dolorido, mas eram dores musculares realmente por conta da força desnecessária que foi obrigada a fazer. Letícia continuou na incubadora se alimentando pela sonda... Comecei a ordenhar para ela pelo menos um pouco do meu leite, mesmo que ela fosse alimentada pela sonda. A ansiedade era tanta que não consegui acompanhar o ritmo dela que começou com 5ml e quando eu consegui tirar 5ml ela já tinha passado para 10ml, quando eu consegui tirar 10ml ela tinha passado para 15 e assim foi até ela chegar aos 30 ml, por isso ela teve que receber o complemento. Na segunda-feira ela fez o exame de sangue, que acusou infecção e teve que iniciar tratamento com antibiótico, foi transferida para Uti Neo, permanecendo lá durante seis dias. No quinto dia retirou o Cpap e colocou o Rudge (espécie de capacete em que corre oxigênio em um nível menor do que o Cpap). Como ela evoluiu bem, permaneceu somente 24 horas com o capacete, que logo foi retirado. Foi quando eu pude (mesmo com ela na UTI e com acesso venoso), pela primeira vez, pegá-la no colo, abraçar, cheirar e amamentar, uma emoção que não cabe em mim! Não posso descrever tamanha felicidade, pois esperava por esse momento desde o dia do nascimento. Meu sonho sempre foi que eu pudesse colocar minha filha nos braços e amamentar na primeira hora de vida, infelizmente nesse caso não foi possível, mas creio que Deus tem um propósito pra isso tudo, nada disso é por acaso, afinal ela nasceu no dia da ressurreição de Cristo e tenho plena certeza que isso não foi a toa.

Resumo da ópera, PPPPP: prematuro, pélvico, podálico, primípara e períneo integro... Nasceu num dia lindo, no domingo de páscoa, o dia da ressurreição de Cristo! Neste dia renasce também uma nova mulher, agora mãe! Agradeço a Deus por todos esses momentos e todas as bênçãos que me são concedidas, sei que tudo isso aconteceu por algum propósito e espero poder cumprir minha missão da melhor maneira possível, eu, minha filha, meu marido... Minha família.
Obrigada de coração à minha anjo-doula (doulas são anjos enviados por Deus), sem você não teria chegado nem na metade, você foi uma fortaleza ao meu lado! Conselho: tenham uma doula! À minha amiga Camila, que estava ao meu lado compartilhando as emoções o tempo todo. Aos meus pais, pelo carinho e a todos que, de uma forma ou outra estavam na torcida e em oração! Obrigada!
Agradecimentos mais que especiais: ao meu esposo amado que me apoiou em todos os momentos e cedeu gentilmente "seu lugar" ao meu lado durante o TP e o parto para que minha anjo-doula ficasse ao meu lado. Infelizmente eles só deixam entrar um acompanhante e essa dura escolha entre marido e doula tem que ser feita. Agradeço a voce meu amor Anderson, a compreensão e o amor!  



Um comentário:

  1. Chorei demais com esse relato, lindo! Que bom que apesar de tantos procedmentos desnecessários vocês estão bem!

    ResponderExcluir