quinta-feira, 16 de julho de 2015

Relato de Parto - Ana Fernandes


É de praxe no meio humanizado fazermos o relato escrito do nosso parto e contarmos como chegamos ali. É a forma que temos de contar a nossa história, motivar outras mulheres, fazer com que elas acreditem que sim, sabemos parir! Meu dia chegou, hoje sou eu a fazer o meu relato, quem diria... Por meses li tantos relatos, imaginei tanto as cenas dos relatos que eu lia, me imaginei tanto ali, sonhei que o meu dia chegaria, que eu conseguiria e sim... 

EU CONSEGUI!


Antes do nascimento do João, queria contar rápido... 
Sofro de bronquite alérgica e quanto pequena tinha muitas crises e precisava ficar internada em observação, isso infelizmente ocasionou um trauma, detesto o ambiente hospitalar, laboratorial, agulhas, exames e etc., eu realmente sofro com isso. Desde que soube que estava grávida uma possível cesariana era um tormento para mim, comecei então pesquisar sobre, me vi devorando sites todos os dias em busca de informação. Lembro-me de falar para o meu Ginecologista Obstetra em uma das consultas do acompanhamento pré natal: "Caso rompa a bolsa quanto tempo eu posso ficar em casa? Quero um parto o mais natural possível, não quero intervenções sem necessidade, não quero analgesia, não quero Kristeller, não quero Episiotomia, não quero Ocitocina, não quero pés amarrados...", na realidade, por mim eu daria a luz em casa, como a minha avó, só para não ter que ir a um hospital.

Dias depois conversando com duas amigas soube da Casa de Parto de Sapopemba, da rede pública, onde elas tiveram os seus bebês e me disseram tantas coisas boas sobre que até parecia que estávamos falando sobre o Céu. Foi a primeira vez que ouvi falar sobre humanização, doula, Ishtar (um grupo de apoio sem fins lucrativos à gestantes e ao parto ativo). Curiosa que sou, durante a gravidez perguntava para toda e qualquer mãe que tivesse contato qual foi a sua experiência com o tipo de parto que vivenciou, pouquíssimas no meu meio pariram de forma natural e a maioria, claro, de forma cirúrgica. No fim dessas conversas, quando dizia que queria um parto natural, eu era não-surpreendida por comentários grosseiros e ignorantes do tipo: "para que sofrer por horas?", ou então: "a cesárea é tão mais fácil, você agenda, consegue se arrumar antes de ir para o hospital, fazer as unhas...", de tanto ouvir esses comentários cheguei a acreditar que eu não era capaz, senti medo.

Tudo estava correndo bem até que tive que realizar uma ultrassonografia com Doppler, um exame comum no final da gestação (geralmente realizado entre a 26 e a 38 semana) que avalia o fluxo sanguíneo do bebê, o exame foi realizado e identificaram ali duas circulares de cordão no pescoço no João, e por sua vez, uma cesárea indicada pelo Obstetra deixando o Lucas e a mim aflitos e preocupados.

Falar de circular de cordão chega a ser até uma redundância, como assim um cordão sem circular com um bebê em constante movimentação? Indignada com isso, dia desses fiz um post no meu Instagram desabafando sobre e uma doula chamada Ana Lídia @partejarcomamor comentou: "Mamãe, isso não é indicação para cesárea, pesquisa um pouco sobre, assiste ao documentário "O Renascimento do Parto" e se possível, troca de Obstetra", jamais vou esquecer! Eu não sei se algum Obstetra vai ler o meu relato, mas queria ter a oportunidade de lhes dizer: quando você diz para a sua paciente que você é a favor do parto normal e no final da gestação você agenda uma cesárea para ela por um irreal motivo, você está destruindo um sonho Doutor!!!

Dia 14 de março, 17 dias antes da chegada do João convidei o Lucas e ao meu sogro Moab Maello para assistirem junto a mim o documentário e ficamos vidrados do começo ao fim, entendi o significado de humanização, chorei. Na manhã seguinte acordei com o Lucas me pedindo desculpas por ter me julgado medrosa quando eu dizia que não queria me submeter a uma cesariana sem necessidade, horas depois recebi uma mensagem dele me pedindo para ligar na Casa de Parto e perguntar se podíamos conhecer naquele mesmo dia, na mensagem também tinha links de reportagens sobre o parto humanizado, posso com isso? Bingo!!!! Era o que eu precisava, o apoio dele!!!

Naquele mesmo dia fomos a Casa de Parto de Sapopemba, conhecemos o quarto pré parto, conversamos com uma enfermeira e uma assistente, ouvir, ouvir, ouvir e ouvir... Que anjos!!! Sai de lá eufórica, era aquilo o que eu queria e não tinha mais volta! Família preparada, corpo e mente preparados, meu lado bicho despertou!!! Agendei então o plano de parto com a enfermeira Obstetra da Casa, fomos informados que o período de segurança limite que elas poderiam esperar eram 41 semanas, isso era segunda-feira, na terça-feira eu completaria 40 semanas de gestação, o João tinha uma semana para vir ao mundo. 

Como tudo começou...
15h00, terça-feira - aniversário de semana e uma surpresa: o tampão mucoso resolveu sair, me emocionei, era o primeiro sinal de que o João estava chegando. Fui contagiada por uma alegria infinita. Passei a madrugada sem dormir, senti enjôo e vomitei, consegui finalmente dormir as 05h00 da manhã e despertei as 07h00, fui ao banheiro fazer xixi e ao me limpar, mais tampão mucoso, fui me vestir novamente e sinto um líquido escorrendo pelas pernas, peguei o celular e enviei uma mensagem para a minha tinha Ivone perguntando discretamente sobre como é quando rompe a bolsa, não queria preocupar ninguém.

08h30 - sai do banho e mais líquido escorreu pelas pernas, coloquei absorvente para verificar a cor do líquido, fiquei preocupada achando que estava perdendo líquido e resolvi ligar para a Casa de Parto, fui orientada a ir para lá para ser examinada.

09h30 - liguei para o Lucas e avisei o que estava acontecendo, ele havia chego ao trabalho naquele mesmo momento, mas disse que iria voltar para casa. Começo a sentir contrações, fiquei observando e elas estavam vindo de 15 em 15 minutos e duravam cerca de 13 segundos, cólica fraca, era o início da fase latente. Estava eufórica, terminei de me arrumar, tirei fotos do barrigão, tomei café, tudo enquanto aguardava o Lucas.

10h40 - Chegamos a Casa de Parto, contrações vindo de 7 em 7 minutos e duração de 30/40 segundos. Havia um casal aguardando para ser consultados, ficamos conversando até que chegasse a minha vez de conversar com a enfermeira Obstetra.

11h20 - fui examinada, 2 cm de dilatação, colo ainda grosso. Almoçamos e me pediram para caminhar para a evolução da dilatação.

14h00 - Não aguentei caminhar por muito tempo, minhas coxas ardiam e me sugeriram ir para a bola de pilates fazer exercício, música calma no quarto e massagem na lombar com óleo mineral feita pelo Lucas e pela auxiliar. Relaxei muito.

Por volta das 16h00 - Minha sogra, meu sogro e meu cunhado chegaram a Casa de Parto. Eu tinha direto de ter dois acompanhantes comigo, minha sogra se juntou a nós e me entregou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, fiquei agarrada com ela enquanto sentia as contrações. Minha sogra Shirlei foi contando as contrações, quando sentia, falava: "contraçãooooo..." e ela anotava pois a frequência das contrações não estavam totalmente ritmadas.

17h00 - Pedi para sair da bola de pilates, meus ossos do quadril começaram a doer. Coloquei a música que eu mais ouvi durante a gravidez: "Reconhecimento - Adriana Canto". Fui examinada novamente e havia evoluído apenas 1 cm de dilatação. Quando conversei com a enfermeira Obstetra assim que cheguei ela me disse que caso não evoluísse eu teria de ser removida para o hospital mais próximo para induzirem o meu parto, pois o João só poderia ficar no meu ventre com a bolsa rompida pelo período de 12 horas, o tempo estava se esgotando... A enfermeira me sugeriu o soro com a Ocitocina sintética para acelerarmos o processo, fiquei com medo de não aguentar as contrações mas topei. Soro aplicado, fui para a banheira com o Lucas e com a auxiliar. Relaxei muito com a água morna e com o carinho do Lucas. 

18h00 - Contrações aceleradas, vinham uma atrás da outra e as vezes ultrapassavam um minuto. Durante essas contrações eu virava de lado e afogava a barriga na água, respirava fundo e soltava o ar aos poucos, isso me mantinha calma e quando a contração ia embora eu relaxava tanto que chegava a cochilar. Quando não me concentrava na respiração me desesperava e pedia para o Lucas me abraçar, sentir ele me acalmava. 

Comecei a sentir o meu próprio corpo fazer força, era a expulsão, eu segurava as mãos do Lucas e jogava o meu corpo para trás e vocalizava, respirando e soltando o ar, mandando-o para baixo o ventre. A enfermeira me perguntou se podíamos fazer o exame de toque, perguntei se ia doer e ela disse que incomodaria, eu falei que não queria. 

PARTOLÂNDIA, a partolândia não é um lugar, é um estado mental alterado. Quando entramos na partolândia nos desconectamos de tudo ao nosso redor, e nos mantemos conectadas somente com o que está acontecendo com o nosso corpo. Para isso, muitas mulheres sentem vontade de arrotar, vomitar e/ou evacuar, como foi o meu caso. Fechei os olhos e não abri mais, o tempo se perdeu para mim. Eu tive que canalizar aquela energia adquirida em uma coisa só: empurrar. Chegou a hora, o Lucas estava sentado atrás de mim e a equipe de enfermagem a postos, fiz força e senti que ele estava vindo para mim e aquilo me renovou novamente e me fez ter mais força e fazer mais força.

Foram 18 minutos de fase expulsiva, e eu sentia queimando lá em baixo, era o tal do "anel de fogo". Fiz força e ouvi: "Vamos amor, só falta o ombro", não acreditei e achei que não tivesse mais forças, minhas pernas tremiam e eu disse: "Eu não consigo", mas o corpinho saiu na contração seguinte. 

Nada mais era importante, nenhuma frase depois daquele choro foi ouvida. Foram retiradas as circulares de cordão, a enfermeira segurava o cordão e esperava que a placenta se desprendesse do útero e o João veio imediatamente para o meu colo, nos abraçamos os três e choramos por alguns estantes. O mesmo choro que derrubo agora e inevitalmente reviver aquele momento como se fosse agora. Foram quase 12 horas em trabalho de parto ativo. 

Humanização do parto vai muito além de instalações bonitas, de uma música tocando e uma equipe chamando a mulher de mãezinha. Humanizar o parto é respeitar o desejo da mulher, prestar uma assistência baseada em evidências científicas e não realizar procedimentos desnecessários. Dar a luz deve ser a sua maior conquista, não o seu maior medo. Acreditar que o nascimento é um ato fisiológico e não médico, e desejar suporte emocional e não apenas tecnológico.

Dia 01 de abril de 2015 foi o dia que Deus guardou para eu e o Lucas sermos ainda mais felizes. Optar por um parto humanizado foi a oportunidade que tivemos de parir juntos. Eu sentia as dores, mas o Lucas esteve ali, não só como espectador da própria vida que ajudou a gerar, ELE PARIU O JOÃO JUNTO COMIGO!!! Me oferecia o corpo dele para eu escorar, as mãos para apertar, me acalentava nos seus braços quando eu esmorecia pela dor, me encorajava quando entre uma contração e outra eu conseguia ouvir sua voz dizendo: "Eu to aqui, você vai conseguir, força... Eu te amo". A minha mãe foi a minha doula emocional, não estava ali, mas pensei muito nela, em como é uma mulher forte, guerreira. 

Não encontro palavras para encerrar esse depoimento, talvez porque ele não tenha mesmo chegado ao fim, porque junto com o João renascemos todos, deixando no passado tudo aquilo que não precisamos, e iniciando uma nova vida com muito mais amor, união, companheirismo, cumplicidade, respeito e admiração. 

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