Relato de Parto – Meu Renascimento e o Nascimento do Felipe
Esse relato começa muito antes do dia do parto do Felipe ou dos 9
meses de gravidez.
Sou aquele tipo de mulher que passou a vida inteira sonhando em ser
mãe, desde criança mesmo. Cuidar de bebê, gravidez, amamentação sempre foi o
que me agradou.
Eu sempre sonhei com um parto natural, tranquilo, sem intervenções.
Deve ser por ter avó que pariu 8 em casa, bisavó parteira. Na minha família só
tem partos normais. Ou deve ser por eu ser uma puta medrosa que não fura nem
orelha. Tenho pavor de cirurgia. Pavor de furar veia, pavor de injeção...
A cada amiga/prima/conhecida/vizinha que engravidava e era submetida a
uma cirurgia cesariana ficava sem entender por que tantas mulheres precisavam
daquilo. Um dia foi o estopim e comecei a me informar. Descobri aí um sistema pavoroso.
Mutilador de mulheres, bebês e seus sonhos. Um sistema de mitos e mentiras. Um
sistema violento. Um sistema que não acolhe, que não abraça. Um sistema que
mascara, que desrespeita. Um sistema que encoraja mulheres a extraírem bebês que
ainda não estão prontos de seus úteros. Um sistema que não informa que a
cesariana mata 3x mais e que causa 120x mais problemas de saúde nos bebês
(respiratórios, alergias). Um sistema que está trazendo uma geração de pessoas
mais propensas a doenças. Um sistema obstétrico falido e do qual tenho
vergonha. Um problema de saúde pública.
Ali prometi a mim mesmo que quando chegasse a minha vez, eu e meu
filho não passaríamos por aquilo. Eu ia dar todo o M-E-L-H-O-R pra ele, desde a
barriga, desde sempre.
Estudei muito, fiz cursos, me informei, informei pessoas. Me preparei
muito. Por que não, aqui não tem mãezinha. Aqui não rola ninguém falando o que
é melhor pro MEU filho. Isso quem sabe sou eu.
Informei o Luciano e procurei a cada dia trazê-lo pra esse mundo
comigo. Pouco a pouco ele estava ao meu lado. Com as ressalvas dele, mas
respeitando meu desejo e se informando (da maneira dele) também. Pronto, se ele
estava comigo, o caminho estava aberto. Sempre deixei uma coisa bem clara, o
corpo é meu, mas o filho é nosso. Ele precisava estar ao meu lado pra tudo
correr bem.
Tinha o desejo do parto domiciliar. Aliás, não tinha a menor dúvida de
que era isso que queria
(e ainda quero!) pra mim e pro meu bebê. Porém, Lu me pediu pra fosse
no hospital. Já que era nosso primeiro filho e ainda não tínhamos vivido um
parto. Nosso filho. Pedido respeitado.
Em 08/05/14 recebo meu tão sonhado positivo. Pronto, o sonho começava
ali. Fomos jantar pra comemorar.
Contamos pros avós no dia das mães (que morreram de alegria num
chororô só), pros tios e amigos queridos.
Vivemos uma gestação maravilhosa, sem qualquer intercorrência, mamãe e
bebê muito saudáveis.
Optamos pelo pré-natal humanizado, sem inúmeras medicações e exames.
Passamos 9 meses na gravidez sem nenhum exame de toque, 4 ultrassonografias
apenas, muita conversa, informação e carinho em cada consulta. Olho no olho.
Costumo dizer que meu pré-natal foi repleto de sessões de terapia. E te digo,
apesar do preço real que pagamos por isso, e que não é pouco, não tem preço um
atendimento desse. O fato de não ser tratada como uma bomba relógio prestes a
explodir é muito especial. Ali eu era uma mulher gestando seu bebê e precisava
de informação, carinho, suporte e só.
Nossa equipe multiprofissional foi montada a dedo. Escolhi as pessoas
que estavam presentes em um curso comigo (Parto Ativo da Janet Balaskas), na
semana que engravidei. Dr. Jorge
Apenas nas últimas semanas de gestação escolhemos nossa doula Thati
Menendez (eu e marido tivemos amor à primeira vista com ela (até o momento ele
batia o pé que eu por ser doula não precisava de uma doula). Equipe montada.
Era só esperar o grande dia.
Felipe estava tranquilo na barriga. Chegou as 40 semanas e eu, que até
então estava muito tranquila, comecei a ficar ansiosa. Procurava sinais,
conversava com ele e nada. Escrevi carta pra ele, fiz despedida da barriga e
nada. Continuava a espera.
Quinta feira 22/01/15 (véspera de 41 semanas) às 20h. Chego em casa
com um super piriri e ao sentar no vaso noto sangue na minha calcinha. Aviso a
Cris e a Thati. Ambas me falam que meu colo está enviando sinais, mas que é pra
eu ficar calma que não é trabalho de parto ainda.
Eu estou calma, mas feliz!
Tomo banho, minha afilhada está
aqui comigo. Ligo pro Lu que está em São José e logo decide voltar. Ele conta
pro pai que estou em trabalho de parto. Minha mãe liga. Minha sogra liga.
Espero não sentir a pressão deles. Sempre foi isso que mais me assombrou
durante a gestação.
24h começo a ter algumas contrações. Doloridas mas espaçadas. Assim
passamos a noite toda.
Eu e ele no sofá. Eu e as contrações. Ai como desejei essas contrações.
Abro um sorriso toda vez que penso que elas estão me levando ao meu sonho real,
o meu filho tão esperado e desejado. Curto senti-las, eu as desejei muito. A
cada que vem penso que estou mais perto do meu filho. J Estou feliz, muito feliz!
De manhã tomo um banho e decido que quero uma doula aqui comigo. Thati
está em parto e manda a Mari, sua backup. Passamos o dia aqui contando
contrações, massagens, conversando. 11 e pouco a Cris obstetriz diz que vai vir
me avaliar. Ela chega e decido que não quero saber minha dilatação. Ela só fala
que estou em fase latente e que está indo tudo muito bem.
Minha mãe vem pra cá. Sinto a agonia dela em me ver com dor.
18h. Tudo para. Nenhuma contração há mais de 1 hora. Mari e mamãe vão
embora. As 23h eu e o Lu vamos deitar abraçados. Estou muito cansada, mas não
consigo dormir. Só consigo pensar que ele está chegando. M-E-U filho.
24h. Contrações recomeçam a todo vapor. Duram 1 minuto a cada 5
minutos. As 3:30h ligo pra Thati e ela vem. Estou tão feliz! Seguimos a
madrugada com muitas contrações. Abraço a
9h do dia 24/1/14 (sábado). Contrações a cada 3 minutos. Entro no
banho. Fico um tempão no chuveiro, sentada na bola. Lu põe música no banheiro.
Danço. Thati está comigo e me encorajar a soltar o corpo, os joelhos. Faço isso
e me sinto melhor. Tirar a tensão é muito bom. Lu compra várias coisas gostosas
pra tomarmos café, mas estou enjoada. Tomei muito Gatorade desde que tudo
iniciou. Sento na mesa com eles e como uma banana amassada com canela e pedaços
de queijo branco. Choro.
Minha mãe chega, sogra manda mensagem, sogro liga.
Decido que quero que a Cris venha. Thati fala com ela. Sinto que está
próximo, choro, mas não sei explicar por que choro.
Cris chega e me examina: 7 de dilatação. Cris liga pro Dr. Jorge e eu
percebo que ele quer que eu fique mais em casa. Trabalho de parto de primíparas
costuma demorar.
Insisto em ir pro hospital. E vamos. A pior parte das contrações foram
no carro. Que doooor!
Chegamos no São Luiz. Passamos pelo pré atendimento. Cardiotoco,
burocracias. Mas conseguimos que não façam um novo exame de toque em mim.
Falam que não tem sala delivery. Vejo a cara de frustração das
meninas, mas não me abalo. Eu sei que vai ter e que vou realizar meu sonho do
jeitinho que planejei. Está muito perto. Delivery 1 disponível. Cris e eu subimos, enquanto o Lu
e a Thati vão colocar a roupa. Não fico em nenhum momento sozinha. No caminho
paro algumas vezes devido às contrações. Respiro.
Contrações bem perto umas das outras. Menos uma. Felipe está chegando.
Choro baixinho. Lu coloca música. Peço a ele que avise a Fla que estou no
hospital já. Ainda não estou total na partolândia. Mais contrações.
Thati me traz um picolé de limão. Cris, Thati e Lu no banheiro comigo.
3 mordidas no picolé.
Mais uma contração e uma vontade ABSURDA de empurrar. Olho assustada
pra Cris e digo que meu corpo tá mandando fazer força. Ele me manda seguir meu
corpo e levanta. Pronto, atravessei o portal da partolândia. Ela liga pro Dr.
Jorge e pra pediatra Dra. Sandra.
Daí em diante apenas contrações de expulsivo. Cris pede pra eu trocar
de lado na banheira pra poder me examinar. Dilatação total.
Eu pergunto do Dr. Jorge. Quero ele ali. Falo pro Lu que to com medo.
Aperto a mão dele.
Dr. Jorge e Dra. Mema chegam. Falo pra ele que ele me abandonou. Dra
Sandra chega também.
Digo que estou com medo. Dr. Jorge me pergunta o que preciso. Digo pra
ele trocar de lugar comigo. Todos caem na risada.
Lu me coloca compressa gelada na testa. Amo aquela sensação.
Dra. Mema se posiciona aos meus pés. Dr. Jorge me sugere ficar de 4 ou
de lado. Tento de 4 e não curto a posição. Fico de lado e eles me ensinam a no
momento das contrações empurrar e puxar a perna. Faço o que eles pediram. Dra.
Mema me explica a respiração e expulsão. Faço força 3x, mas não consigo ir até
o fim e a cabeça dele volta. Grito muito. Peço ajuda pro Felipe várias vezes.
Chamo ele (vem filho, vem filho). Ela me sugere colocar a mão pra sentir a cabecinha
dele. Era o que faltava. Mais 2 contrações, empurro muito, grito e ele nasce.
Ele está todo cheio de mecônio (uma cor amarelo ouro que todos comentam) e uma
circular de cordão. Dra Mema tira a circular.
Sento imediatamente. Como mágica já não há mais NENHUMA dor. Eu
atravessei o portal. Já não sou mais a mesma. Renasci. Realizei o meu sonho.
Sou uma nova mulher.
Pego ele na água. E o olho de frente, olho no olho. Falo pra ele ‘Bem
vindo filho. Nós conseguimos’. Abraço ele forte e sinto o melhor cheiro que já senti
na vida. Ele chora alto e forte. Olho pro Lu com amor, ele está muito
emocionado e me beija a testa e depois a boca.
Todos saem do banheiro. Ficamos apenas nós 3. A nova família. <3
Sinto o cordão pulsar. Como desejei isso! É incrível.
Ela leva o Felipe para avaliar devido à quantidade de mecônio. Lu vai
junto. Ela o pesa. 3.310 kg contrariando a todos que achavam que seria um bebê
de 4 kg. APGAR 10/10.
Eu levanto e vou pra maca. Já na maca Dr. Jorge pede pra eu fazer uma
força bem fraquinha.
Sinto algo quente entre as pernas. Pari a placenta que nutriu meu
filho por 9 meses. Peço pra vê-la. Linda. Enfermeiras fazem os exames de sangue
pelo sangue da placenta. Não quero que o Felipe seja furado. Thati vai fazer o
print dela pra mim.
Tive uma pequena laceração. Dra Mema decide que não há necessidade de
pontos. Mas pega o espelho pra eu dar minha opinião. Concordo com o que ela
decidir. Instalam soro com ocitocina em mim para contração do útero.
Estou cansada. Estou feliz. Uma felicidade sem tamanho. Um amor
físico. Não vem do coração, não vem da cabeça. Esta na pele. É sólido. Tem
forma. Da até para pegar.
Lu começa a avisar a todos. Ele ri de orelha a orelha.
Felipe volta pro meu colo e suga forte meu seio. M-E-U-F-I-L-H-O. Nem
consigo acreditar.
Thati me dá um pudim, pão com manteiga, banana e suco. Sinto muita
fome. Foram 38h só no gatorade.
Felipe chora de vez em quando. E quando falo com ele, para
instantaneamente.
Dra. Sandra me ajuda com a amamentação e logo depois se despede
também.
Lu vai fazer nossa internação e ficamos só nós dois no escurinho. Fico
namorando meu filho. É lindo. A cara do pai. Todo perfeitinho. Muito mais do
que eu sonhei. Ele fica ali, pele a pele comigo, do jeito que todo bebê deveria
ficar em suas primeiras horas de vida.
2h após o parto o berçário vem buscá-lo. E me levam também pro quarto.
Agradeço a Deus pela dádiva de gestar e parir o meu filho. Por ele ser
perfeito e cheio de saúde. Pela minha gestação maravilhosa.
Agradeço ao meu marido que me acompanhou e apoiou em minhas escolhas.
Ao Dr. Jorge Kuhn, Dra Mema e Cris Balzano por respeitarem as mulheres
e praticarem medicina baseada em evidências.
As minhas doulas Thati e Mari pelo carinho, apoio e força. Não teria
sido tão bom sem vocês. <3
A toda nossa família que respeitou minha escolha (mesmo agoniados com
a espera, rs) e a todos que torceram por nós.
Dedico esse relato a todas as mulheres. Por que eu quero que elas
sintam esta forma de amor.
Desejo que, quando seus filhos chegarem ao mundo, elas os olhem de
frente. Mais do que isto, eu desejo que elas sintam esta sensação de PODER.
Porque parir é poder! Tirar um bebê de dentro, no grito e na força, com os
recursos que a natureza te deu, faz com que você se sinta mais mulher. E isto
não deveria ser tabu. (adaptado das palavras de Gabi Salit, blog Dadadá).
"Porque
parir, é passar de um estágio a outro. É um rompimento espiritual e como todo rompimento,
provoca dor. O parto não é uma enfermidade a ser curada. É uma passagem para
outra dimensão".
(Laura
Gutman)
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